No topo de um planalto, Beja ergue-se como um testemunho vivo da história, com uma vista ampla sobre a peneplanície do Baixo Alentejo. Desde a época romana, quando era conhecida como Pax Julia, até ao período islâmico, em que recebeu o nome de Baja, a cidade foi palco de episódios marcantes e berço de figuras ilustres, como o rei-poeta al-Mu’tamid.
Beja está rodeada por uma planície que se estende até ao Algarve e Grândola, sendo delimitada a norte pela serra de Portel e a leste pela serra de Aracena, já em território espanhol.
A origem de Beja: um debate histórico
Durante muitos anos, a origem de Beja foi alvo de debate entre historiadores e arqueólogos. Alguns defendiam que a cidade havia sido fundada na época romana, enquanto outros acreditavam que o planalto era já habitado previamente. As escavações na Rua do Sembrano, onde hoje existe um núcleo museológico, trouxeram luz sobre essa questão, revelando vestígios de uma muralha da Idade do Ferro, datada da segunda metade do primeiro milénio a.C. Também foram encontrados fragmentos de cerâmica ática, oriundos da Grécia Clássica, evidenciando as ligações comerciais da região muito antes da chegada dos romanos.
A falta de documentos escritos impede a identificação do nome original da cidade e do seu povo na Idade do Ferro. Contudo, com a chegada dos romanos, o nome Pax Julia ficou bem documentado, sendo esta uma das três circunscrições administrativas da Lusitânia, com capital em Mérida. Como capital de um dos conventus iuridicus, Beja desempenhava um papel central na administração romana a sul do Tejo, sendo também um importante nó na estrutura das vias romanas, ligando a Mérida e a outras cidades lusitanas.
O Museu Rainha D. Leonor oferece um panorama abrangente sobre esta época, enquanto o seu Núcleo Visigótico se destaca na preservação de artefactos visigóticos, proporcionando uma visão sobre a cidade durante a Antiguidade Tardia.

O Período Islâmico
Em 711, os muçulmanos, vindos do Magrebe, iniciaram a conquista da Península Ibérica. A batalha de Guadalete levou à queda do último rei visigodo, Rodrigo, e consolidou o poder islâmico na região. Pax Julia, agora chamada Baja, manteve a sua relevância no ocidente do al-Andalus e foi mencionada em diversas fontes árabes como um centro político e cultural importante.
Beja foi também o berço de al-Mu’tamid, o famoso rei-poeta que governou Sevilha no século XI antes de ser deposto pelos Almorávidas e exilado em Aghmat, perto de Marraquexe. Para além desta, existem referências documentais que relacionam outras figuras ilustres da vida política e cultural do al-Andalus com a cidade de Beja. A presença islâmica está bem documentada por escavações arqueológicas, nomeadamente a descoberta de uma vasta necrópole islâmica e múltiplos artefactos. Algum do espólio destas escavações, como cerâmicas, moedas, candeias, pode ser hoje visto no Núcleo Museológico da Rua do Sembrano e no Museu Rainha Dona Leonor. Estes elementos atestam não só a vitalidade da cidade durante o período islâmico como também a persistência de práticas quotidianas e crenças que fundiram elementos locais e exógenos.

A conquista cristã
No século XII, a conquista cristã avançou para sul, reduzindo progressivamente o território do al-Andalus. Os monarcas do jovem reino de Portugal destacaram- se nesse avanço e as terras do Baixo Alentejo foram palco de intensas disputas. A conquista de Beja não foi imediata. Após diversas incursões cristãs e reconquistas muçulmanas, a cidade só foi definitivamente integrada no reino de Portugal na década de 1230, durante o reinado de D. Sancho II.
No entanto, durante todo a história do al-Andalus, os cristãos persistiram como uma importante comunidade no contexto da plural sociedade islâmica. Nas imediações de S. Cucufate, originalmente uma villa romana situada a cerca de 20 km de Beja, foram encontrados indícios de uma comunidade cristã que persistiu durante o domínio islâmico, adaptando os edifícios romanos para uma função monástica.
A influência cristã na região é, aliás, atestada em 745, altura em que Isidoro, bispo moçárabe de Beja, é mencionado em documentos históricos. Mesmo após a islamização, várias igrejas permaneceram ativas, como demonstra a reconstrução da igreja de Santo Amaro no século IX. Apesar destes aspectos, com o tempo, a conversão ao Islão foi-se generalizando.

A sociedade e economia em transição
Hoje em dia pensa-se que a transição do mundo romano para a Antiguidade Tardia e desta para o mundo islâmico, à exceção de algumas estruturas de poder no topo, não se processou através de ruturas radicais repentinas, mas antes mediante mudanças que foram gradualmente transformando alguns dos aspetos das sociedades locais. A classe terratenente local, por exemplo, terá conseguido manter grande parte do controlo sobre as terras, influenciando o destino da região. A kura de Beja seguia um modelo semelhante ao de outras regiões da Hispânia, onde a elite local preservou uma significativa autoridade sobre as populações rurais. Com o enfraquecimento das estruturas moçárabes, novas formas de propriedade coletiva, como a qarya, emergiram, alterando o panorama agrário.
A arabização e islamização da região foram particularmente intensas nas zonas sul e oriental, especialmente nas áreas anteriormente mais romanizadas e cristianizadas, onde a integração cultural foi mais profunda.
Beja integrou-se nestas dinâmicas, assumindo-se assim como um reflexo vivo do encontro de civilizações que marcaram a história da Península Ibérica. Desde os primórdios da Idade do Ferro até à consolidação do reino de Portugal, a cidade desempenhou um papel crucial na região, deixando um legado arqueológico e histórico notável que continua a fascinar investigadores e visitantes. Hoje, Beja continua a preservar e celebrar esse passado, mantendo-se como um símbolo da riqueza cultural do Alentejo e do seu património histórico e monumental. Para visitas e informações contactar: turismo@cm-beja.pt