EDITORIAL – EDIÇÃO 13 | AGOSTO 2025

EDITORIAL – EDIÇÃO 13 | AGOSTO 2025

Herdamos a ideia de que devemos tudo à terra. Que é ela que nos dá nome, lugar, substância. Mas raramente perguntamos o que fizemos por ela, além de a nomear com orgulho nos dias de festa. Estar num lugar não é o mesmo que pertencer, e pertencer não é o mesmo que cuidar.

Fala-se muito de raízes, mas algumas são só teimosia, ou medo, ou preguiça de pensar um destino. E há pertenças que não passam de hábitos cansados. A verdade é que a terra só nos reconhece se a pensarmos, se viver em nós e nós nela, se a confrontarmos. Se não a deixarmos cair no esquecimento nem no folclore de domingo.

Grande parte do nosso país vai vivendo à espera de uma expectativa nunca consumada de que alguém resolva tudo. Corremos o risco de estarmos a tornar-nos espectadores da nossa própria paisagem. Olhamos para ela como quem vê um postal antigo, com ternura, mas sem urgência, sem desconforto. Talvez seja altura de voltarmos a pôr as mãos na terra, não para a venerar, mas para a pensar, para a reconstruir com lucidez.

Há aldeias onde já ninguém acende luzes. Há palavras que deixaram de se dizer porque já ninguém sabe o que querem dizer. Há linhas de comboio por onde nada passa, a não ser o vento e pó. E há territórios onde a única coisa que chega é o silêncio, não o do descanso, mas o do abandono.

E depois há os poucos que vão resistindo e invertendo a narrativa, tantas vezes olhados apenas como românticos ou pitorescos. Os que semeiam com afeto e tratam os animais pelo nome. Os que não deixam cair as árvores nem os gestos. Os que ainda acreditam que habitar é um verbo ativo. Que estar num lugar é um ato de responsabilidade, não de passividade.

Esse imenso Portugal interior não vai ser salvo por discursos, nem por fundos europeus mal-amanhados. Vai ser salvo, se o for, por quem se sujeita, por quem age antes de ter certezas. Por quem aceita viver longe de tudo e mesmo assim continuar a cuidar. E também por quem visita estes lugares, todos os anos, com respeito e afeto, contribuindo para a economia local.

Agosto, com todo o seu calor e suspensão, pode ser o mês do repouso. Mas não tem de ser o da anestesia. Pode ser o tempo de olhar o país de frente, sem sentimentalismos nem slogans. De perguntar: o que é que ainda queremos construir? O que é que ainda estamos dispostos a perder? E, mais duro, o que é que já perdemos sem notar?

Portugalidade não é um rótulo. É uma luta permanente entre o que somos e o que fingimos ser. Entre o que preservamos e o que deixamos definhar. Se há algum sentido em continuar a usar esta palavra, que seja para incomodar, para exigir mais. Para obrigar a uma escolha: ou fazemos parte da paisagem, ou limitamo-nos a vê-la desaparecer pela janela do carro.

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