Se é para voar, o céu não pode ser o limite, só o espaço e o infinito.
Se temos de nos transcender, que seja com tudo, e não só com uma parte. A voracidade de vida é isso mesmo, e nem sempre se nota para quem vê de fora. A frase “O céu é o limite” sempre serviu como estandarte do esforço humano, demarcando a fronteira máxima entre o sonho e a conquista. É a celebração do muito, o reconhecimento de um patamar de excelência que merece todos os louvores. Contudo, para aqueles que carregam a urgência da criação e a sede do eterno, esse horizonte visível rapidamente se transforma apenas na primeira escala da viagem.
É então que me surge a Inquietação de José Mário Branco, “Eu não meti o barco ao mar para ficar pelo caminho”. É a recusa absoluta da desistência. Avança-se até ao fim, apesar dos medos, das dúvidas ou dos obstáculos. E o diálogo prossegue com O Primeiro Dia de Sérgio Godinho, quando se navega “sem vela nem mar ou navio”, celebrando a bravura dos generosos e a sua capacidade de reinvenção constante, capazes de beber “a coragem até dum copo vazio”.
Este caminho, porém, não se cumpre na euforia vazia. O voo para além do céu implica a sombra do sacrifício. Não há ascensão sem que algo fique para trás, irremediavelmente perdido ou apenas suspenso no tempo.
Lembro-me do olhar de Neil Armstrong (Ryan Gosling) em First Man (2018), com aquele tom melancólico, carismático mas sofrido, de um homem em luto contante pela filha. Ele não procurava apenas a glória de cravar uma bandeira num solo distante; procurava, talvez, um ponto de fuga onde a perda pudesse ser relativizada pela distância. A banda sonora, composta por Justin Hurwitz, particularmente o tema “The Landing”, captura a tensão extrema da vitória solitária, fazendo estremecer a sala do cinema à medida que a cápsula aterra no solo lunar. É a sonoridade do instante em que se atinge o infinito, provando que a coragem necessária para atravessar o limite é indissociável da dor que se transporta.
A verdadeira vertigem do infinito (tempo e espaço) é magistralmente espelhada em Interstellar (2014). Nesse filme, a busca desesperada pela transcendência encontra a sua justificação no encontro da ciência pura com o vínculo inquebrável entre pai e filha. O tempo dilata-se e comprime-se, mas o objeto “final” – o relógio que Cooper (Matthew McConaughey) oferece a Murphy (Jessica Chastain) – permanece comunicando entre eras, dimensões e buracos negros.
Essa comunicação entre o pai no ‘futuro’ e a filha no ‘passado’, através de um objeto que mede a passagem do tempo – e que continua a ser um dos presentes mais simbólicos para tantas pessoas (é o meu caso, confesso) – mostra na perfeição o que é a busca pelo eterno, ou seja, o que é ser humano.

