O nome Catrina é uma denominação sobejamente conhecida no mundo rural da Ilha Terceira, embora só tenha surgido no início do século XX. Representa um tipo de gado bovino que se dissipa nos tempos do povoamento da ilha, sendo comumente apelidado de gado da terra, gado de curral ou gado de cima, visto habitar as zonas altas da ilha e devido ao seu temperamento arisco, ser diariamente fechado em currais, em tempos idos, para ser ordenhado.
Oriundo de populações de gado primitivo, o touro fundador apelidado de “Catrina Velho” foi corrido à corda variadíssimas vezes, demonstrando sempre o seu carácter voluntarioso e arrojado enchendo o arraial de vivacidade e alegria, tal como descreve um dos testemunhos recolhidos: “90% dos Catrinas era para dar espetáculo”. Este touro foi utilizado como reprodutor, sendo as crias apelidadas de “Catrinas”. Estas, destacavam-se por terem uma mancha branca junto à virilha ou uma malha em forma de estrela na fronte, que até aos dias de hoje permanece bem vincada na raça, apesar da rica e variada coleção de pelagens.
“As vacas Catrinas é que foram o princípio da minha vida”, “serviam para fazer a vida melhor do que fazem agora com as lavradas” são testemunhos recolhidos, dando uma imagem de como era a atividade agropecuária na Ilha Terceira a partir dos anos 20, que, por razões óbvias, como isolamento, intempéries, inexistência de solos aráveis, entre outros fatores, não era fácil.
No entanto, a evolução económica e sociocultural das últimas décadas conduziu a uma elevada pressão para a criação de raças exóticas altamente produtivas. Fatores esses que, consequentemente, resultaram numa redução acentuada das populações nativas, ameaçando assim a sua existência, o que, infelizmente, para o gado Catrina não foi exceção.
O gado Catrina chegou aos nossos dias através da sensibilidade e perspicácia do Sr. João Ângelo, lavrador e cantador popular terceirense. Atualmente existem outros criadores que, de forma estoica e incansável, mantêm o seu efetivo através de linhagens puras, por respeito e consideração, tendo noção do valioso legado deixado pelos seus antepassados.
Ora, se o gado Catrina subsistiu até aos dias de hoje foi fruto das suas particularidades e do seu instinto. Diferenciando-se da raça brava por serem demasiado mansos para serem bravos, mas também diferem dos bois mansos da ilha, sendo demasiado bravos para serem mansos. Estes animais destacam-se pela sua rusticidade e tamanho relativamente pequeno, de extrema importância para a harmonia entre a raça e o seu habitat natural. Além do mais, esta população desenvolveu uma termo-resistência essencial à sua sobrevivência em condições climáticas desfavoráveis e com uma alimentação com reduzido valor nutritivo, o que era observado pelos próprios criadores “o gado Catrina comia em campos ruins, não havia adubos”; “comiam o que o chão lhes dava”; “um animal mais pequeno, de trabalhar melhor, mais resistente a tudo”. Outra das notáveis características é a sua longevidade, atingindo mais de 20 anos de idade e habitualmente trazendo uma cria por ano, o que para raças de alta produção é atualmente impensável. Posto isto, graças à sua capacidade reprodutiva e facilidade de parto, o gado Catrina é frequentemente utilizado como linha materna, demonstrando mais uma vez a sua versatilidade e capacidade de adaptação à evolução do meio.
Por último, mas de igual importância, destaca-se a aptidão para a produção de leite com elevada qualidade em termos proteicos e de gordura, visível através da nata formada “leite muito e bom, melhor do que o leite das lavradas (…) um leite mais forte, com mais graduação (…) se ficava de tarde até ao outro dia de manhã tinha um dedo de nata”, “Em nossa casa, o leite chegava de manhã, por volta do meio dia tirava-se uma camada de nata, chegava à tarde tirava-se outra camada e quando fervia à noite ainda tirava nata, tirava-se nata 3 vezes”. Estes são relatos de agricultores que de forma empírica selecionaram os melhores animais de acordo com as necessidades. Esta seleção veio mais tarde a ser comprovada com a caracterização genética, que detetou elevada frequência de alelos ancestrais e de enorme importância para a indústria leiteira bem como relativamente à qualidade organolética da carne. Estes são animais que se destacam pela positiva.
Sendo as raças autóctones um “ativo vivo”, a conservação do gado Catrina é essencial para manter a biodiversidade animal e garantir a resiliência do setor agropecuário diante de desafios como mudanças climáticas. Para além de, pertencerem ao ecossistema da região, encontrando-se perfeitamente adaptadas ao meio e sendo fundamentais para o equilíbrio da biodiversidade animal, são também um importante efetivo para a sustentabilidade ambiental e socioeconómica com o desenvolvimento de boas práticas alimentares (produzindo produtos e subprodutos de elevada qualidade), preservação das atividades culturais, entre outros.
Ana Rita Faria Azevedo
Secretária Técnica
Associação de Criadores de Gado Catrina