Esta é a décima edição da Portugalidade Magazine. Um número redondo, ainda recente mas assinalável, sobretudo por quem faz as coisas com gosto, com dedicação, profissionalismo e integridade. É esse o compromisso que aqui deixo para as próximas dez edições, em nome desta equipa que produz e leva até si os conteúdos desta revista.
E assim, um ano volvido, recuamos novamente no tempo para explorar um capítulo fundamental da nossa história: o legado judaico em Portugal. Desde os tempos medievais até aos dias de hoje, a presença judaica no nosso território deixou marcas indeléveis que atravessaram séculos e que continuam a moldar a nossa identidade cultural.
Os judeus sefarditas da Península Ibérica, reconhecidos pelo seu brilhantismo nas ciências, nas letras e nos negócios, foram protagonistas de avanços notáveis na medicina, na astronomia e na navegação. É impossível dissociar os feitos dos Descobrimentos Portugueses desse contributo, cuja presença em cortes e academias impulsionou o conhecimento e a inovação.
Porém, a promulgação do Édito de Expulsão em 1496 e a posterior Inquisição colocaram Portugal numa posição contraditória. Se, por um lado, o país se beneficiou imensamente das contribuições judaicas, por outro, foi palco de uma perseguição atroz que tentou apagar a sua memória cultural e religiosa. Mas a História é resiliente. Os costumes judaicos sobreviveram em disfarces engenhosos, como a alheira, símbolo de resistência e criatividade, ou nos apelidos e topónimos que carregam ecos de um passado que se recusou a ser silenciado.
Já no século XX, Portugal desempenhou um papel de redenção. Durante a Segunda Guerra Mundial, o país abriu as suas portas a milhares de judeus em fuga do Holocausto. Aristides de Sousa Mendes é um exemplo heroico dessa época, desafiando ordens para salvar vidas, um ato de coragem que hoje o inscreve no Memorial do Holocausto, Yad Vashem, como “Justo entre as Nações”.
Hoje, Portugal não apenas celebra, mas resgata e promove o seu património judaico. De norte a sul, encontramos sinais desse legado em sinagogas restauradas, bairros históricos e em novas iniciativas que homenageiam a memória e a contribuição deste povo. A atribuição da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas expulsos é um gesto de justiça histórica, mas também um convite a fortalecer os laços entre culturas e gerações. No entanto, o presente lembra-nos constantemente que o antissemitismo e a intolerância ainda persistem em várias partes do mundo. Num contexto de conflitos e tensões geopolíticas, é imperativo que reafirmemos os valores universais de solidariedade e respeito pelos direitos humanos.
Celebrar o legado judaico em Portugal é, antes de tudo, um exercício de memória e de compromisso com os melhores valores que definem a humanidade. Que esta herança nos inspire a continuar a construir pontes entre culturas e a promover o diálogo e a compreensão mútua.