“É impossível não amar este paraíso onde temos o privilégio de viver”

“É impossível não amar este paraíso onde temos o privilégio de viver”

Entrevista a Fátima Fernandes, Presidente da Câmara de Montalegre.

A região do Barroso, constituída pelos concelhos de Montalegre e Boticas, é Património Agrícola Mundial desde 2018. Uma distinção de inteira justiça para uma região onde a geografia e o tempo se conjugam para nos fazer sentir, sempre que a visitamos, num sítio à parte… no topo do mundo. Fátima Fernandes, a presidente da câmara de Montalegre, destaca-nos a resiliência e o “Orgulho Barrosão” destas gentes e o profundo respeito que demonstram pela terra, pelos animais e pela sua identidade.

Quase seis anos depois da inclusão de Barroso no restrito lote de territórios classificados pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) como Património Agrícola Mundial, que significado teve esta classificação para o concelho de Montalegre?

Foi o reconhecimento à gente do Barroso e à sua forma de vida, que soube compatibilizar inovação e modernidade com as práticas ancestrais e tradicionais de trabalhar a terra. Trouxe, assim, prestígio e valorização para o território. É também fundamental para a criação de confiança e de atratividade para quem procura por destinos de natureza e locais sustentáveis onde a cultura e a identidade estão bem vincadas.

Queremos que passe a ser um elemento dinamizador de tudo de bom que tem o Barroso e que pode alavancar outras atividades, seja na área agrícola, rural ou turística, desenvolvidas em perfeita sintonia com os ecossistemas locais, preservando a sua biodiversidade.

Quais foram os principais impactos positivos desta classificação na vida das pessoas e na economia local?

Para operacionalização dos projetos para o Património Agrícola Mundial foram celebrados acordos de colaboração entre distintas entidades que permitem dignificar este reconhecimento com o desenvolvimento do Centro para a Valorização do Barroso Património Agrícola Mundial – ValorBarroso.

Aproveitou-se um património que estava desprezado, como eram os edifícios do antigo Centro de Formação do Barroso, em Aldeia Nova, e está-se a proceder à sua beneficiação para aí instalar um centro de estudo, divulgação, investigação e até de degustação. Este centro agrega várias iniciativas, dinâmicas e atividades de ensino e investigação que vão ser potenciadoras de desenvolvimento, de criação de postos de trabalho e de fixação de pessoas pois, certamente, vai atrair recursos humanos altamente qualificados. Estudar os sistemas agroindustriais da região, promovendo doutoramentos e pósdocs, bem como organizar uma escola de Verão sobre os temas biológicos do Barroso com jovens de toda a Europa será a marca dos próximos anos. Queremos dar oportunidades e colocar Barroso no mapa do Mundo e daqui a uns anos vamos ver o impacto transformador destes projetos que vão mudar o Interior.

Olhamos para os recursos endógenos sempre numa perspetiva não exclusivamente de preservação, mas sim de exploração socioeconómica sustentável, económica e ambientalmente. O turismo tem muito interesse para a criação de valor e para a nossa qualidade de vida.

Montalegre é um dos maiores concelhos, em área, do país, e toda a região do Barroso carateriza-se por um modo de vida muito independente, quase autónomo, do exterior. Há mesmo lugares aqui onde, quando os visitamos, parece que viajamos no tempo. Na sua opinião, a que se deve este caráter tão único desta terra?

Ao respeito que os Barrosões têm pela terra, pelos animais e pela identidade. As caraterísticas naturais do território, a autenticidade e a genuinidade das pessoas, com as suas especificidades culturais e comportamentais, a que chamamos Orgulho Barrosão criam uma singularidade incrível para quem nos visita, oferecendo um contexto único, bem como a qualidade de vida existente, uma vez que não há muito trânsito, não há poluição, não há grandes multidões, é possível chegar-se a qualquer lado em pouco tempo e, acima de tudo, é possível, em silêncio, estar em contacto com a natureza.

O Fumeiro de Montalegre é reconhecido e apreciado em todo o país, e até internacionalmente. As batatas, para quem as conhece, são insuperáveis, assim com as couves. Temos ainda o gado barrosão que, para além de ser uma raça particularmente bonita e afável, produz da melhor carne de bovino. Qual é o segredo desta terra para ter tanta qualidade agrícola?

O saber ancestral, aliado às particularidades do solo e do clima.

O que falta para que alguns destes produtos estejam mais disponíveis e divulgados nas grandes cidades?

Têm de ser apresentados como produtos gourmet, não porque são uma esquisitice gastronómica, mas pela sua qualidade de excelência. Sabemos fazer, mas ainda não sabemos vender ao preço devido. E é muito importante que o poder central ponha os olhos neste território e dignifique esta distinção.

Que medidas têm sido tomadas para garantir a preservação deste património único de Montalegre?

A defesa intransigente daquilo que somos, do ambiente e dos ecossistemas locais, preservando a sua biodiversidade.

Quais são os principais desafios e ameaças que a região enfrenta para manter esta classificação e preservar a genuinidade da região?

O desaparecimento dos mais velhos e a baixa natalidade, aliado à perspetiva de desenvolvimento de projetos de âmbito nacional que não se coadunam com esta distinção. É importante aquilatar a “bondade” de alguns projetos de exploração mineira que são transitórios e de recursos finitos, com a pegada não ecológica que deixarão, por contraponto a este que é único no país e um dos poucos no mundo, sendo certo que temos a certeza que este interior esquecido será com brevidade procurado por muitos que já consideram insustentável e incomportável viver nas grandes cidades.

Que mensagem gostaria de deixar aos barrosões e a todos os que se interessam por esta região única?

Aos Barrosões, que continuem a sê-lo, com a sua resiliência e vontade indómita, passando a mensagem aos seus filhos de que ser agricultor já não é profissão de pobres e analfabetos, bem pelo contrário.

A quem nos procura, que façam eco do que aqui experienciaram pois tenho a certeza de que daqui levam ótimas memórias e que voltarão. É que é impossível não amar este paraíso onde temos o privilégio de viver.

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