EDITORIAL – EDIÇÃO 5 | OUTUBRO 2023

EDITORIAL – EDIÇÃO 5 | OUTUBRO 2023

Recuamos, uma vez mais, no tempo, para desvendar pormenores que fazem parte da nossa história e cultura. O legado judaico em Portugal deixou, sem surpresa, marcas profundas em tudo aquilo que nos tornou no que hoje somos. Os judeus da Península Ibérica, ou Sefarditas, notabilizaram-se nas ciências e nas letras, nos negócios, na medicina ou na astronomia, por exemplo.

Com o Édito de Expulsão dos Judeus, em 1496, Portugal começou também a criar a sua dívida para com um povo que foi o principal perseguido pela Inquisição, que durou de 1536 a 1821. Desse período, onde os “cristãos-novos” tentavam esconder os seus rituais e costumes para escapar ao Tribunal do Santo Ofício, continuam a chegar ecos aos nossos dias, que nem a ignorância opressora conseguiu apagar. Expressões, nomes, diversas toponímias e até as tão apreciadas alheiras transmontanas sobreviveram. Um enchido com a particularidade de não ter carne de porco, mas facilmente confundível com uma chouriça no fumeiro, tornou-se num símbolo de resistência e, porque não dizê-lo, de argúcia e apurado sentido gastronómico.

Já em pleno século XX, Portugal acabou por desempenhar um papel bastante mais humanitário na sua relação com os judeus. No período mais negro da perseguição a este povo, a Segunda Guerra Mundial, o nosso país recebeu milhares de pessoas em fuga dos nazis. Aristides de Sousa Mendes foi um nome maior desse tempo, ao utilizar a posição de cônsul português em Bordéus para conceder vistos a refugiados judeus. Para quem tenha curiosidade histórica e humana sobre esse tempo, uma visita à “Fronteira da Paz – Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes”, em Vilar Formoso, é obrigatória.

O seu nome está também eternizado no Memorial do Holocausto, Yad Vashem, em Jerusalém, onde lhe foi concedido o título de “Justo entre as Nações”, em 1966, por Israel.

Creio não haver dúvidas de que Portugal celebra hoje a sua herança judaica, com um saudável orgulho, reconhecendo a sua influência na nossa língua, na arquitetura, nas tradições ou na culinária. Há uma história comum a ser partilhada, onde os melhores valores sobrevivem às piores memórias.

Os nossos leitores sabem que uma revista como a nossa não se imiscui em temas polémicos, mas editorialmente não somos impermeáveis aos acontecimentos. Isso seria um vazio, um espaço ocupado com mero ruído. Não temos qualquer problema em assumir a nossa solidariedade com as vítimas de terrorismo e de crimes de guerra, assim como lembrar que a proteção humanitária das populações civis está assegurada pela Carta das Nações Unidas.  

Acreditamos que, à nossa escala, também podemos e devemos promover o diálogo intercultural, o respeito e a compreensão mútua.

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