No meu editorial do ano passado, por esta altura, abordei a passagem do tempo, o crescimento da revista e a minha relação pessoal com vários locais aqui retratados. Esta envolvência pessoal e direta é uma das formas mais naturais, na escrita, de tentar criar uma ligação emocional com o leitor. Humanizar o texto, aproveitando as nossas experiências e vivências, sem nos colocarmos no centro do palco, mas antes levando o leitor a ver com os nossos olhos, a perceber o nosso ponto de vista, e, assim, a criar o seu.
Escrever “a metro”, sem nos envolvermos com o objeto retratado, é mais de meio caminho andado para que todos os textos pareçam iguais. Claro que isso também pode ser uma boa defesa para quem se sinta acossado, permanentemente debaixo de crítica. Se produzimos um texto com se fôssemos uma máquina, despido de qualquer estilo próprio, dificilmente alguém lhe conseguirá detetar falhas claras e óbvias. Hoje, a inteligência Artificial até permite fazê-lo, de facto. O medo de errar, na escrita, em qualquer trabalho criativo, na alta competição, na gestão de grandes empresas e instituições, é absolutamente dissuasor da procura de novas soluções.
É impossível ser criativo sem arriscar.
O futebol serve muito bem como analogia. Nunca se colocam os jogadores mais criativos a defender, aí deve imperar o pragmatismo. Esses, os médios criativos e os extremos, devem é ter as costas bem resguardas pelos esteios defensivos – e há muito talento assinalável na arte de defender bem. Não é isso que está em causa. Para que uma equipa funcione e consiga os seus objetivos é preciso que cada um perceba bem o seu papel individual, e tenha sempre bem presente a estratégia coletiva. Todos são importantes, mas isso não significa que são todos iguais, bem pelo contrário. Ainda que a Laranja Mecânica (Holanda), nos anos 70, se tenha aproximado desse conceito com o Futebol Total, onde cada jogador parecia poder ocupar qualquer posição em campo, todo o jogo passava pelos pés do cérebro da equipa, Johan Cruyff – um dos jogadores mais inteligentes (talvez “O mais”) em campo, de sempre.
Os “carregadores de piano” são outra expressão muito curiosa utilizada no futebol, em referência aos jogadores do meio-campo que correm quilómetros, trabalham imenso e dão tudo pela equipa – daqueles que “comem a relva”. São absolutamente essenciais no grupo, mas ninguém espera que sejam eles a resolver o jogo num lampejo de brilhantismo.
Mas quando ganham, ganham todos. Aliás, as únicas equipas que ganham são precisamente aquelas em que todos ganham.