EDITORIAL – EDIÇÃO 7 | MARÇO 2024

EDITORIAL – EDIÇÃO 7 | MARÇO 2024

O movimento ajuda a pensar. Uma ilustração perfeita disso é-nos oferecida pela banda desenhada, quando algumas personagens caminham em círculos, absortas nos seus pensamentos, até fazerem um buraco no chão. Era o que acontecia na sua “sala das preocupações” ao Tio Patinhas, personagem criada por Carl Barks, e que é talvez a mais completa desse universo da Patópolis da Disney.

O Tio Patinhas tem como nome original  Uncle Scrooge, o que revela de forma mais clara a sua inspiração no Ebenezer Scrooge de Charles Dickens. Mas muito mais do que um velho rabugento e avarento, o decano dos patos tem uma história extremamente densa, longa e cheia de peripécias que o tornam numa personagem que ultrapassa claramente a ideia efémera que podemos ter de alguns desses álbuns de banda desenhada. Para não me alongar mais, bastará lembrar a adoração que ele tem pela primeira moeda que ganhou, a qual obviamente mantém consigo. O amor dele pelo seu dinheiro é o amor por cada moeda, cada nota, humanizando de tal forma o “vil metal”, que constrói com ele uma relação mais sólida do que com qualquer outra coisa.  

Voltando à ideia com que iniciei este texto, lembrei-me desta associação entre movimento e pensamento, porque muitas das minhas memórias mais vivas têm como pano de fundo uma paisagem em movimento, uma estrada, um caminho. E o impressionante que é ver o efeito que tem em nós, e na frescura do pensamento, sair de um engarrafamento urbano e entrar numa estrada vazia, larga e desimpedida.

Memórias e caminhos são duas palavras que se cruzam muito com os conteúdos desta revista e, acredito, dizem muito a quem tenha interesse em lê-la. É por isso frequente, quando me sento diante desta página, ainda em branco, ao fechar mais uma edição, dar por mim a viajar lentamente pelas curvas e contracurvas que ligam cada um dos lugares que aqui (re)visitamos. Sempre à espera da próxima reta, daquelas que têm bermas enormes, onde se pode encostar e desligar – o motor ou as “preocupações”.

E por falar em ler, recorro uma vez mais à poesia, neste caso prosa poética, para nos ajudar a decifrar este enigma da memória e do tempo. Do que permanece e não queremos ver desaparecer. De Eugénio de Andrade, Porto (1979):

“O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo metodicamente a ser árvore”

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