O primeiro quarto do século XXI expôs a velocidade da História e a fragilidade das certezas. Terrorismo global, crises financeiras, revoluções digitais, pandemias e guerras devolveram-nos um mundo instável, interdependente e em permanente mutação. A sucessão de acontecimentos que atravessámos permite-nos perguntar se teremos atingido o ponto sem retorno.
O SÉCULO COMEÇA COM UMA PROMESSA CURTA
O milénio abre com a sensação de estabilidade e expectativa herdada dos anos 90. A globalização parece madura, a Internet expande-se como instrumento universal e as economias avançadas funcionam em modo de confiança tranquila. Essa impressão desfaz-se em setembro de 2001. Os atentados de Nova Iorque e Washington interrompem a narrativa otimista e inauguram a lógica da guerra ao terror. O Afeganistão torna-se o primeiro campo de operação dessa nova política global, ao mesmo tempo que democracias ocidentais ajustam legislação, segurança e vigilância. O século irrompe com a consciência de vulnerabilidade.
GUERRAS QUE REDESENHAM MAPAS
A invasão do Iraque, em 2003, prolonga a instabilidade que já se adivinhava. A região entra num ciclo de reconfigurações políticas e humanitárias que marcarão as décadas seguintes. Ao mesmo tempo, a China consolida a sua ascensão económica e altera equilíbrios globais. Em 2007–2008, a crise financeira expõe inesperadamente a fragilidade do sistema económico internacional. Bancos caem, mercados recuam e milhões de pessoas enfrentam desemprego e perda de segurança. Neste período, a globalização deixa de ser vista como inevitável e passa a ser objeto de disputa.
QUANDO AS RUAS GANHAM VOZ
O início da década de 2010 revela tensões acumuladas. A “Primavera Árabe”, iniciada em 2010, mostra o alcance político das redes digitais e a força das reivindicações sociais. O desfecho é desigual: da esperança democrática à regressão autoritária, passando pela guerra civil síria e pela maior crise de refugiados dessa geração. No Ocidente, movimentos como o Occupy denunciam desigualdades agravadas pela crise financeira. A política global torna-se mais emocional, mais fragmentada e mais exposta à velocidade das plataformas digitais.
A VOLTA DA GEOPOLÍTICA DURA
Em 2014, a anexação da Crimeia pela Rússia reintroduz a competição estratégica entre grandes potências. A Europa, ainda concentrada na recuperação económica, confronta-se com o regresso de lógicas de força que pareciam enterradas no século XX. O Daesh surge como protoestado terrorista, ocupando território e impondo uma nova gramática de violência. A sensação de imprevisibilidade torna-se parte da vida internacional.
DEMOCRACIAS EM TENSÃO
O ano de 2016 cria um ponto de inflexão. O Brexit e a eleição de Donald Trump revelam fissuras profundas nas democracias liberais: polarização, desinformação, ressentimento social e erosão da confiança institucional. O campo político altera-se e a perceção pública do que é possível ou provável muda radicalmente. A tecnologia digital, antes vista como facilitadora de participação, ganha protagonismo como instrumento de manipulação e fragmentação.
CLIMA E TECNOLOGIA IMPÕEM NOVA AGENDA
O final da década confirma duas forças estruturantes. A crise climática intensifica-se, com temperaturas recorde, fenómenos extremos e alertas científicos que deixam de ser projeções para se tornarem constatações. Em paralelo, a ascensão tecnológica redefine poder e soberania: inteligência artificial, recolha massiva de dados, vigilância digital e disputa por semicondutores transformam tecnologia em geopolítica. A noção de privacidade altera-se, a escala das plataformas torna-se um problema político.
2020: O MUNDO SUSPENSO
A pandemia de COVID-19 reconfigura tudo. Sistemas de saúde entram em rutura, fronteiras fecham e a economia global contrai de forma abrupta. O teletrabalho expande-se, a escola migra para ecrãs e a desigualdade amplia-se. A ciência demonstra capacidade de resposta veloz, mas a desinformação corrói a confiança pública. A pandemia expõe dependências logísticas e revela o grau de interligação das sociedades modernas.
A GUERRA REGRESSA À EUROPA
A invasão da Ucrânia em 2022 devolve à Europa uma guerra convencional de grande escala. As consequências atravessam energia, segurança, agricultura e indústria. Alianças são testadas e a ordem internacional torna-se novamente volátil. Nas regiões vizinhas, conflitos prolongados reacendem tensões que se acumulam desde o início do século.
UMA ACELERAÇÃO QUE MUDA A PRÓPRIA NOÇÃO DE HUMANO
Nos anos seguintes, a inteligência artificial generativa entra no quotidiano de forma irreversível. A tecnologia transforma produção, comunicação, criatividade e decisão. Pela primeira vez, ferramentas amplamente acessíveis alteram o domínio cognitivo da experiência humana. Democracias enfrentam novos desafios, economias reorganizam-se em torno da transição energética e o clima instala-se como variável permanente. O mundo entra em 2025 consciente da sua interdependência e da sua vulnerabilidade estrutural.
EPÍLOGO DE UM CICLO BREVE
O primeiro quarto do século XXI acaba por ser um arco coerente de aceleração, risco e transformação. Cada crise abriu uma mudança, cada mudança revelou uma fragilidade e cada fragilidade expôs a necessidade de pensar o mundo com mais profundidade. A História avançou depressa e sem intervalos, a tarefa agora é reencontrar maturidade democrática e bom senso suficiente para que a velocidade não nos dispense de pensar.

