SINAGOGA DE PONTA DELGADA ABRE AS “PORTAS DO CÉU” AO LEGADO JUDAICO

SINAGOGA DE PONTA DELGADA ABRE AS “PORTAS DO CÉU” AO LEGADO JUDAICO

A Sinagoga Sahar Hassamaim – Portas do Céu, em Ponta Delgada, é hoje um museu de portas abertas ao público, mas nem sempre foi assim. Em 2015 passou por uma grande restauração que deu vida a todo um património material e imaterial ali presente. A sua visita permite mergulhar na história cultural e religiosa da comunidade judaica.

Localizada na Ilha de São Miguel, em Ponta Delgada, na Rua de Brum, a Sinagoga Sahar Hassamaim é atualmente um museu, constituído por diversos espaços característicos e objetos de culto, de rituais e até do dia-a-dia. Documentação da época, pergaminhos e manuscritos de grande valor estão também aqui expostos ao público.

A sua entrada não se destaca como um edifício religioso propositadamente, sendo que foi construído em 1836 por um grupo de judeus provindo do Reino de Marrocos. Nessa altura a legislação portuguesa ainda proibia a utilização de símbolos no exterior de templos não católicos. Por este passado histórico, é a mais antiga sinagoga construída em Portugal após a expulsão dos judeus. ‘Era como se fosse os segredos dos judeus: as pessoas sabiam que havia, mas não conheciam o que havia lá para dentro’, afirmava o historiador e diretor do Museu Hebraico Sahar Hassamaim – Portas do Céu, José de Almeida Mello, ao programa Nós Portugueses da RTP.

O Museu é constituído por quatro espaços de visita: o Mikeve (antiga zona de banhos rituais), o Espaço da Memória (exposição de legados culturais e históricos da presença hebraica nos Açores), o Quarto da Memória (preservação do legado das irmãs Albo – últimas residentes da sinagoga) e a própria sinagoga.

Desde 1972 que a Sinagoga se encontrava abandonada, entregue aos desgastes do tempo e das condições meteorológicas. No interior ainda ali se mantinham muitos dos objetos e documentos usados em cerimónias religiosas: alguns acabaram por ser usurpados, outros recuperados na abertura da Sinagoga e posteriormente expostos.

O historiador José de Almeida Mello é o principal responsável pela Sinagoga não ter desaparecido para sempre, apelando durante 14 anos à sua recuperação e transformação. Em 2009 lançou a obra ‘Sinagoga Sahar Hassamain de Ponta Delgada’, em que conta todas as descobertas que fez. Foi este o mote para que o edifício fosse recuperado pelo Município de Ponta Delgada por 99 anos, assente num acordo com a comunidade israelita de Lisboa, de preservação do património histórico e cultural do legado hebraico nos Açores.

Desde que o espaço foi adquirido pela Câmara Municipal, o plano de restauração da Sinagoga foi delineado e a 23 de abril de 2015 abriu ao público como um museu. José de Almeida Mello é, desde então, diretor do Museu Hebraico Sahar Hassamaim – Portas do Céu, tendo dedicado, ao longo destes anos, todo o seu esforço a este espaço.

O PATRIMÓNIO MATERIAL E IMATERIAL

Os objetos expostos contam muito da sua história, tal como é o caso da cadeira em madeira usada para realizar circuncisões, da documentação e manuscritos em hebraico do século XIX e até os 67 bancos, cada um com um significado diferente. Foram também descobertos pergaminhos, livros de bolso, uma mão em madeira, fitas de cabedal, tábuas de lei e tecidos utilizados durante o culto. De acordo com o diretor do Museu Hebraico Sahar Hassamaim – Portas do Céu, em entrevista ao Nós Portugueses, ‘a peça mais sagrada que temos aqui é a palavra de Deus materializada’, isto é, os quatro Torás.

A sinagoga ainda integra um arquivo documental, uma biblioteca e os gabinetes de trabalho, mas estes estão fechados ao público. Há espaço ainda para algumas salas de exposições onde se realizam diversas mostras. O historiador revelou ao Açoriano Oriental que o espólio tem vindo a crescer, graças a doações e ofertas por parte de descendentes de judeus, tal como foi o caso das famílias Sebag, Delmar e Bensaude. Recorda-se que a família Bensaude tem implementado uma forte dinâmica no tecido empresarial e econômico dos Açores desde o séc. XIX, e fez parte de um grupo de judeus que adquiriram o edifício em 21 de dezembro de 1836 para instalar a Sinagoga.

Desde a recuperação da Sinagoga e a abertura do museu que Ponta Delgada integra o roteiro das cidades do mundo com legado hebraico e é considerado um dos bons legados que Portugal preserva na atualidade. O número de turistas na ilha cresceu, havendo quem venha de propósito conhecer a história que conta este edifício. Desde a sua abertura, o Museu Hebraico recebeu visitantes oriundos de diversas origens e nacionalidades, de diferentes partes do mundo, nomeadamente 63. Os norte-americanos são uns dos principais visitantes, seguindo-se Israel e Alemanha como os principais visitantes de países estrangeiros. Contudo, a maior afluência de visitantes são locais e de Portugal Continental.

A Sinagoga Sahar Hassamaim não foi única nos Açores, mas foi a única que se preservou até aos dias de hoje, conjuntamente com o cemitério israelita em Santa Clara. Para além desta Sinagoga, regista-se a existência de mais cinco em Ponta Delgada e uma em Vila Franca do Campo, totalizando seis Sinagogas na Ilha de São Miguel.

De acordo com o historiador, atualmente só há um judeu na ilha, considerando que para ser considerado como tal é necessário nascer de mãe judia. No entanto, cerca de 14 a 15% da população de São Miguel é descendente de judeus, o que também tem suscitado a curiosidade para com este monumento.

A organização tem vindo a dinamizar diversos eventos, desde concertos intimistas à luz das velas, dias de comemoração, open days, entre outros, o que leva a atrair ainda mais visitantes. A Sinagoga registou mais de trinta e sete mil visitantes desde a sua abertura, a 23 de abril de 2015. José de Almeida Mello explicou que os principais objetivos por detrás da promoção deste museu são dar a conhecer o legado histórico da primeira comunidade judaica em São Miguel, para além de incitar a uma maior tolerância para com outras culturas e povos: ‘queremos um mundo mais tolerante e promover o diálogo entre culturas’ – afirmou em declarações à RTP Madeira.

A PRESENÇA JUDAICA NOS AÇORES

Os séculos XIX e XX foram marcantes para o arquipélago dos Açores, com a chegada e permanência dos judeus vindos do Reino de Marrocos. Nesse país, a população estava a ser dizimada por epidemias, as condições económicas não eram as melhores e havia uma grande instabilidade política. O período de presença da comunidade judaica nos Açores foi relativamente curto, mas deixou grandes marcas no território.

De acordo com Inácio Steinhardt, autor do artigo ‘História da presença judaica nos Açores’, em 1819 desembarcaram em Ponta Delgada os primeiros judeus – Abraão Bensaúde, Salom (Shalom) Buzaglo, Arão Benayon, Jacob Mataná, Isaac Sentob e Arão Aflalo.

A sua contribuição para a economia local trouxe uma melhoria do nível de vida dos açorianos, sendo que veio permitir uma maior circulação de produtos para dentro e fora do arquipélago. Esta situação favorável levou à aceitação dos judeus na sociedade.

Grandes empreendimentos aconteceram das mãos de judeus, tal como foi o caso da fábrica de Tabaco Micaelense, da sociedade Terra Nostra e da Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos – SATA. A família Bensaúde ficou conhecida por fundar o Banco Micaelense, que hoje é conhecido por BANIF-Açores; envolver-se na indústria do açúcar, seguros, combustíveis, faina de bacalhau, entre muitas outras atividades.

As preocupações não estavam só nos negócios, mas também em construir cemitérios e espaços de culto, tal como são o caso das sinagogas. Chegaram a existir cemitérios judaicos na Terceira, São Miguel, Faial e São Jorge. Já as sinagogas foram construídas em casas particulares em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta e Vila Franca do Campo. Hoje, todas as sinagogas foram encerradas, à exceção da de Ponta Delgada – Sahar Hassamaim. Foi aí que decidiram concentrar todas as alfaias e pergaminhos.


Fotografias: Arquivo do Museu Hebraico – direitos reservados
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